Racismo: Brasil, Manaus, meu bairro.
Com a virada do ano, viralizou a
fotografia de um garotinho negro sem camisa observando os fogos de artifício na
praia de Copacabana. Surgiu uma enxurrada de comentários incitando uma
“reflexão social” sobre, e é claro que a maioria, sem conhecer o contexto da
situação ou a provável história do menino, já foi supondo que ele era uma
criança pobre, favelada e abandonada. Sem espaço para demais interpretações
acerca do retrato, foi essa aí que repercutiu.
Mas não é sobre a imagem que o
post de hoje vai trabalhar. Quero dialogar sobre duas cenas que ocorreram nos
ônibus do meu bairro, em Manaus, evidenciando o racismo em nosso cotidiano – e
mesmo assim, as pessoas insistem em querer tampar os olhos acerca disso. Falam como se todo esse alarde não passasse de algo da nossa imaginação, mesmo tendo
notícias diariamente comprovando que o preconceito racial, no Brasil e mundo a
fora, é um fato, um péssimo fato.
Indo para a escola – Ensino Médio
Isso aconteceu alguns anos atrás.
Eu estava no fundo do ônibus, bem lotado por sinal, aguardando chegar a parada da
minha escola para poder descer. Mas então, um lugar fica vazio, e surge um
rapaz, talvez uns poucos anos mais velho, mas ainda estudante de ensino médio,
indo sentar no local recentemente esvaziado. O menino sentou e se recolheu e ficou com os ombros franzidos, se projetando em uma
espécie de proteção. Por todo o caminho que percorreu até o local, ele estava
na defensiva, com os ombros baixos e o rosto focado no chão sujo do ônibus.
O menino era negro, da pele
bastante retinta e eu soube, só de olhar pela postura dela, que ele sabia que
as outras pessoas naquele ônibus estavam com medo dele. E isso, não só me
magoou, mas como me causou uma náusea de revolta. Ele não apresentava nenhuma
atitude que pudesse gerar desconfiança; suas roupas eram novas e limpas, ele
usava um headphone e estava ouvindo
música em seu celular. As pessoas julgaram o caráter dele pela própria cor de
sua pele. Mesmo ele não demonstrando perigo algum naquele recinto.
E eu estou falando isso pois,
além de observar como o menino se portou, eu vi os olhares que os outros usuários
do ônibus lançaram ao rapaz. Eles estavam agindo com repulsa e se afastavam do
menino a medida que ele passava.
Final de 2017, voltando da Faculdade
Ônibus vazio, com algumas pessoas
sentadas aqui e acolá, as que estavam em pé estavam assim porque já iriam
descer. Ouvíamos algumas risadas e todo mundo lá da frente olhava preocupado
para trás. Eu fui ver se eram pessoas que podiam apresentar algum risco e o que
eu vi eram: duas crianças rindo, pois uma tentava tirar um bombom da mão do
outro. Eles sequer estavam sendo violentos entre eles, já que estavam brincando
e dando muita risada. A questão era o olhar de terror, de preocupação das
pessoas que tanto ficavam olhando lá para os bancos do fundo do ônibus, para os
bancos em que as três crianças estavam.
Assim como o rapaz do relato ali
em cima, as crianças não estavam fazendo absolutamente nada que pudesse
despertar qualquer temor do pessoal no ônibus. Eu entendo que aqui em Manaus
está tudo muito perigoso, a cada sete minutos, é um assalto. Eu sou mega
paranoica e qualquer cara que estiver olhando para os lados, eu vou ficar com
muito receio. Mas aquelas crianças, por mais simples que fossem as roupas delas
e o tom de suas peles, elas não estavam fazendo nada que pudesse soar como
alguma ameaça – pois, inclusive, elas eram crianças
pelo amor de God.
Algum dia aleatório que eu não lembro se já estava na faculdade ou
ainda estava no ensino médio
Uma senhora branca, loira e toda
cheia de não me toques preferiu sentar no chão ao sentar no banco ao lado de um
outro senhor negro e gordo, com a desculpa de “não quero pegar sol”. Não sei se
aquilo foi gordofobia, racismo, os dois juntos ou o simples fato de ela achar,
com todo o coração, que era mais confortável sentar no chão a sentar no lado do
Sol.
E esse tipo de violência, como vocês podem ver, foi e é de uma forma muito não percebível, pois as pessoas estão já incrustadas em seus preconceitos que sequer percebem a irracionalidade de ter medo de um rapaz sentando ouvindo música ou de crianças brincando.
E eu fico completamente perdida
sem saber o que eu posso fazer nessa sociedade, pois cada dia que se passa, as
pessoas procuram motivos para justificarem as selvagerias de policiais, mesmo
quando eles humilham crianças ou matam inocentes apenas por achismos errôneos.
Muita gente insiste em negar o racismo no país por “nunca terem visto nada
disso”, mas também se negam em sair do casulo de privilégios em que vivem. Negam-se
em ter empatia, a abrir os olhos e sequer se esforçam para mudarem algo, pois
acreditam que racismo, feminícidio e intolerância racial e social no país são
invenções de pessoas que não tem o que fazer.
The end.
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