Sobre a minha auto sabotagem
Na confraternização de final de ano na faculdade, tornou-se
explícito que eu sou a isolada da turma. Eu não imaginei que aquilo pudesse ser
uma quase verdade tão absoluta entre todos lá envolvidos, e pelo que eu pude
ver em seus sorrisos, soou como algo positivo a eles. Mas, duas coisas: não é
algo que eu seja assim por escolha própria (eu, por mim, nunca seria assim) e
com certeza não é algo tão absolutamente tão positivo. E para ser sincera, eu
não sou isolada. O que ocorre lá é eu preferir ser mais reservada uma vez que
já me falaram que eu sou “muito assim”, que eu falo “muita merda” e que eu sou
“muito boazinha”; tudo resultado de eu tentar ser agradável naquele ambiente,
tentar ser participativa nas aulas e tentar fazer jus a minha posição como
estudante em permanecer durante aulas e provas. Tentativa falhada, pelo
visto...
Agora, minha postura tendeu a mudar. Nesse último ano, admito
que acabei por “me reservar”, já que uma vez que naquela sala, com algumas
daquelas pessoas, eu presenciei a situação de pessoas criarem seus círculos de
amizade baseadas no grau de quem fala mal de quem e quem faz piada de quem. Fui
traída por pessoas que o meu
sexto-sentido-de-pessoas-que-não-valem-a-pena-ficar-perto avisou sobre não ficar
por perto, mas meu sufoco por amizades foi mais forte e me iludiu na esperança
de poder ter amigos na faculdade. Em mais um experimento fracassado de tentar
fazer amigos, fui tratada com desgosto, falta de educação e menosprezo no
intuito que eu me afastasse. Sem explicações ou prestações de contas, pelo que
eu pude ouvir, eu que procurasse correr atrás e buscasse esclarecimentos. Eu
tenho uma carinha de boba e, por diversas vezes, sou inocente, mas eu ainda
tenho resquícios de orgulho em mim para poder admitir algo: se não me quer por
perto e sequer me dá o direito de resposta ou alguma justificativa, farei o que
sempre foi o melhor para mim, que sempre foi o afastamento. Na faculdade, isto
resultou no meu aparente “isolamento”.
Sempre preferi fazer trabalhos ou provas de forma individual,
mesmo quando houvesse a possibilidade de eles poderem ser em grupo ou dupla,
pois parte de mim me sabota e diz que não sou capaz de alcançar algo. Então, se
eu fizer algo em conjunto com alguém, a minha parte será sempre a mais fraca e
com ela, será evidenciado um declínio na nota. A culpa será minha. Alguém
acabará sendo prejudicado por minha (ir)responsabilidade. Logo, prefiro fazer
as coisas sozinhas, pois assim, quem irá afundar será somente eu, sozinha e com
a frustração voltada exclusivamente para mim.
Eu sempre fui sozinha. Eu cresci envolta de muito amor e muito
carinho, mas sem a presença de alguma criança por perto. Eu brincava e falava
sozinha. O canal Nickelodeon foi meu
melhor amigo até meus 14 anos, provavelmente. As crianças da rua eram muito
mais velhas que eu e acabavam por me deixar de lado, sempre sendo a
“café-com-leite” nas brincadeiras. Uma vez, duas delas com 10 anos, me
prenderam na cozinha de uma de suas casas, contando que a bruxa me pegaria. Eu
tinha 5 anos, estava aos prantos, tremendo e com medo. E elas gargalhavam...
lembro até hoje das risadas banguelas. Talvez aquilo tenha gerado algum trauma
em mim, mas eu, hoje, morro de medo de ficar em lugares escuros. Uma pessoa que
não-deve-ser-nomeada me batia durante a infância, adolescência e juventude por
eu não lhe responder direito, por fazer algumas brincadeiras que não lhe
agradavam e hoje eu sou conhecida por ela como uma mal-agradecida e respondona
que não respeita ninguém (como eu vou tentar respeitar alguém que puxava com
tanta força os meus cabelos durantes as brigas que eu ficava com o meu couro
cabeludo dolorido por dias?). Meu pai abandonou a mim e a minha mãe quando eu
tinha um ano e meio para cuidar da família dele. Tudo isso gerou em mim muita
insegurança, medo e a certeza de que eu não mereço ser amada (palavras de outra
pessoa-que-não-deve-ser-nomeada) por não ser o suficiente para nada. Passei
horas acreditando que eu não merecia ser feliz porque uma senhora, na saída do
ônibus, falou para mim, quando me projetei em frente às portas abertas do
locomotivo, “Dá para eu sair primeiro?” e eu lhe dei apenas um bom dia.
Ultimamente, meus dias se resumem em ser uma menina exausta quando acorda, com
dores de cabeça sem explicações, aflições no peito, cólicas intestinais e
muitas azias. Quero ficar na cama o dia todo para ver se eu posso esquecer das
minhas obrigações e com algum esforço mental, elas sumam assim mesmo, num passe
de mágica.
Muitas vezes, durante a escola, eu não conseguia aprender nada
de Matemática, Biologia, Física ou Química. Por mais que eu visse vídeo-aulas,
participasse das aulas com perguntas e idas no quadro. Nas provas, se eu não
fizesse algum esquema, eu zeraria todas elas. No vestibular, inclusive, muitas
das provas de exatas ou biológicas tinham apenas um acerto ou outro no meu
resultado... tudo porque eu provavelmente chutei. Já na faculdade, eu faço
provas e trabalhos consciente de que eu nunca nem jamais vou conseguir algo
além da média. E essa certeza sempre se evidencia lá no Portal. Eu me esforço,
estudo e me planejo, mas o meu teto é alcançar a média e nada mais
extraordinário. Tal certeza me frustra e grita para mim toda a minha
incapacidade de ser alguém além do que se tem como ordinário. Não adianta eu
acreditar em algo, pois eu nunca vou além. Não adianta eu sonhar com algo, pois
meus sonhos não vão sair do plano imaginário da minha vida. E me dói saber que
estou fadada a isso tudo... Eu queria mudar e ser melhor, mas não adianta. Já
tentei tanto, mas nunca fez efeito. Serei mais um grão de areia em torno dos
majestosos pedregulhos estupendos nas praias.
Todas essas coisas fizeram eu criar essa proteção dura em mim,
esse sentido de não querer, mas de ter que repelir as coisas que possam me
circundar. Eu já me machuquei muito, ao ponto de não conseguir me cicatrizar
tão rápido como antes. Eu sou muito magoável, toda e qualquer palavra que possa
ser proferida para mim pode soar de um jeito que possa me desestabilizar e
fazer eu duvidar de todas as minhas capacidades ou chances. Logo, ficando longe
das pessoas, eu me crio a certeza de que não irei mais me machucar, porque se
isso acontecer, não faço ideia de quanto tempo levarei para me recuperar. A
última vez que fiquei em cacos, levou muito tempo para que eu pudesse recolher
todos e trazer de volta o que eu me tinha de bem e de bom.
Os poucos amigos que eu tenho me dão a certeza de amizade, o
meu namorado (agora esposo) me dá amor e carinho e tenho uma mãe que me dá colo
e amparo. São essas e por essas pessoas que eu tenho me manter em pé e ser um
pouquinho mais forte todos os dias. Infelizmente, são esses acasos na faculdade
que me atingem e atiçam tantos gatilhos diante a minha segurança sobre mim.
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