Texto escrito por mim e pelo autor de Nossa Trilha Sonora, J. Victor Araújo, que também atuou como revisor da postagem!
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Nessas últimas semanas,
houve a divulgação do título do novo filme da série de filmes ambientados no universo de Harry Potter, “Animais Fantásticos: os crimes de
Grindelwald”. Junto com a revelação do título, veio uma foto inédita com
todo elenco do filme reunido. Foi a fagulha que atiçou
não só a curiosidade dos fãs, mas também um grande alvoroço contra a
participação de Johnny Depp na franquia.
Creio que todos
já têm alguma ideia do tamanho da polêmica que envolve Depp. Caso não tenham,
vale a pena pontuar que ela é consequente da acusação de violência doméstica que está ligada a ele. Ela foi feita por Amber
Heard, ex-esposa do ator, no ano passado; e existem vídeos, imagens e depoimentos que comprovam a
agressão de Johnny Depp à Heard. Os principais comentários feitos sobre
o caso, logo no início, eram feitos no intuito de defender o ator, com um
discurso que apoiava a ideia de separar sua vida pessoal da vida profissional.
Mas aí existe o seguinte questionamento: é certo fazer isso? Devemos mesmo ignorar
a discussão que envolve o crime que ele cometeu?
E é claro que a resposta é não.
O que ele fez não se resume a soltar algum comentário polêmico ou ser pego
dirigindo alcoolizado, o que o senhor Depp fez foi algo muito grave, algo que
envolve um assunto de alarde geral: ele cometeu abuso
moral e físico com alguém a quem ele carregava um vínculo afetivo. Conseguem
entender a gravidade da situação? Não? Então vou usar termos mais diretos: Johnny
Depp espancou a própria esposa. E isso tem se tornado perigosamente comum na
nossa sociedade, seja entre famosos do cinema ou entre os nossos vizinhos. A
questão a ser tratada aqui é violência doméstica – e isso não pode ser
ignorado, não mais, de forma alguma. Não é
porque ele é um astro hollywoodiano que devem passar a mão na cabeça dele.
a.
“Não pode misturar a vida dele pessoal com a
profissional, já que a pessoa individual não diz respeito a pessoa dele como
artista”
Ele é uma pessoa pública e
sobre isso, não há o que se discutir. De fato, Depp se
mostra um artista reservado e pouco divulga detalhes sobre sua vida
privada para a grande mídia. Contudo, a sua atitude repercutiu mundialmente no
momento em que Amber o denunciou e explanou que talvez, apenas talvez ele não seguisse o perfil de galã amante que
tanto se pinta sobre ele. Com a divulgação da notícia
de violência doméstica que Heard sofreu, esse seu “outro lado” vem à tona e
derruba a pose de ídolo que ele mantinha. O marido agressor, o abusador,
é uma revelação da sua personalidade que se integrou à
sua figura de artista. Passamos a conhecer a face pessoal, a face verdadeira de
Johnny Depp; de galã exemplar, vimos que, na verdade, ele é um homem
descontrolado e violento, que não se importa em agredir mulheres mesmo quando
elas carregam o título de esposa.
E eis que Depp sempre foi
um grande influenciador, dono de diversas frases de efeito concebidas em seus
filmes e que costuma ser o grande foco de películas com grande alcance para o
público adulto, e principalmente, infantil. A
Fantástica Fábrica de Chocolate, a franquia de Piratas do Caribe, a duologia Alice
no País das Maravilhas e, agora, a saga Animais Fantásticos são exemplos que,
infelizmente, não nos deixam mentir sobre seu papel na mídia. Será este,
contudo, o artista que deve ser apresentado a esse público? Seria ele,
convenhamos, digno de ser exemplo?
Será que ignorar toda essa carga negativa, apenas para “não misturar a vida
privada da artística” não seria apenas um impulso para banalizar a violência
doméstica? Fica aí o questionamento. 😉
b.
“Ah, mas ele é um bom
ator, vai...”
Ele pode até
ser bom em relação ao arquétipo de personagem ao qual ele sempre se apoia em
seus filmes: aquele “carinha excêntrico”. Mas se qualquer pessoa, mesmo sem ser
cinéfila, for a fundo em seus trabalhos, vai perceber que a maioria deles se
baseia nessa única construção de personagem, nada além disso. Ser um bom ator é
poder criar, moldar, adaptar e adotar novas personalidades durante o processo
de encarnação dos personagens os quais você irá representar. E não é isso que
ele faz.
Resumindo:
Johnny Depp é bom no personagem que ele criou, mas não é um bom ator, não. Pesa
menos se eu falar que isso é a minha opinião?
Além disso, a atuação dele não interfere no nosso ponto
principal, que é o fato de ele ser um agressor. Muito menos é desculpa para
acobertar esses vacilos. Na verdade, isso nem é argumento para se pôr em pauta
quando estamos falando sobre esse episódio de agressão (e voltamos pro
argumento a. É, vai ficar nesse loop mesmo)
Isso não quer dizer exatamente que você seja obrigado a
odiar a todos os trabalhos dele, desgostar dos filmes ou que aquele personagem
que ele fez naquele filme deixe de ser seu favorito. Longe disso. Até porque,
como diz o ditado, “eu não sou obrigada a nada”. A questão nisso tudo é ter
consciência de quem aquele é carinha FORA
das telas. E vale repetir que assistir
com consciência não é a mesma coisa de usar a atuação dele como pretexto para
defendê-lo, quando até mesmo os empresários
dele admitiram seu crime contra a esposa.
c.
“Se a J.K. aceitou ele...”
É bem provável que vocês
queiram planejar uma tortura lenta e dolorosa depois que eu colocar essa carta
na mesa mas, desculpa, é a verdade: J.K.
Rowling não é referência de aceitação ou representatividade.
Vamos começar com o tópico
agressão. Todo fã de Harry Potter que pesquisou sobre a vida da Rowling sabe do
caso de violência doméstica que ela própria sofreu durante a primeira metade
dos anos 1990. Ele já foi retratado dentro de um filme de 2011 produzido pela emissora de
TV americana Lifetime, que não foi exibido nos cinemas, além de ser mencionado
num livro que aborda toda a
trajetória da saga Harry Potter até o lançamento do sétimo livro. Seria no
mínimo óbvio, pela experiência a qual ela passou, que ela se posicionasse
contra qualquer caso de agressão que tivesse conhecimento, certo? Então como
ela admite estar “contente” em ter alguém com a procedência de Depp dentro da
sua própria saga?
Buzzfeed: “E quando ela foi
questionada sobre a controvérsia que rodeia a contratação de Depp, Rowling
afirmou estar “contente” com a notícia.”
JK, em entrevista: “Estou contente.
Ele tem feito coisas incríveis com aquele personagem.”
Decepção? Com toda a
certeza. Uma pessoa que entende os perigos e os traumas da agressão doméstica
não deveria, de acordo com os meus conceitos sobre ética e moral, promover quem
cometa tal mediocridade a uma pessoa, quanto mais à própria esposa. Apoiar
alguém desse naipe, dentro dessas circunstâncias, é um ato de hipocrisia que
não esperamos vir de alguém que tem sido visto de maneira tão exemplar como
Rowling.
Voltando ao ponto Depp, muita gente defende a J.K.
nessa hora dizendo que ela não pode simplesmente descartar o cara do elenco num
piscar de olhos. Assim, é óbvio que roteirista não tem poder de ficar
selecionando elenco, mas a JK sabe negociar quando bem quer. Como o próprio livro que citei antes confirma,
na época da negociação com a Warner para adaptar Harry Potter pras telas, ela
só assinou o acordo que cedia os direitos autorais do livro depois de garantir
que só atores britânicos pudessem fazer parte do elenco. Isso mostra que no
mínimo ela tem algum poder de persuasão sobre eles.
E nem tem como ela usar a
desculpa de não poder trocar ator no meio do filme porque, para o leve caso de
alguém não lembrar, os atores de Dumbledore e Lilá Brown (que inclusive mudou
de cor, né, curioso), fora o visual inteiro do professor Flitwick, mudaram
drasticamente no meio dos filmes e ninguém soltou um pio. E eles apareceram bem
mais que aquela merreca de trinta segundos os quais Depp apareceu, no fim do primeiro filme.
Todavia, ninguém pode
apontar com clareza o quanto a Warner Bros., atual responsável pelos direitos
da franquia de Animais Fantásticos, permitiu que J.K. Rowling se envolvesse nas
escalações do elenco. Apesar do apoio inegável (tem até vídeo aqui, se a foto não foi
prova suficiente), a gente não tem condição de alegar que ela é inteiramente
responsável por manter Depp na saga. E, infelizmente, o mundo é capitalista.
Qualquer decisão que empresas grandes como a Warner fazem é baseada mais em
dinheiro que em opinião pública. E a verdade é que existe toda uma burocracia
no ambiente cinematográfico que envolve desde contratos e assinaturas até
alguns sigilos e “privações” que exigem toda uma fidelidade com o filme. Como
explicou Ricardo, dono do canal Território Nerd no YouTube, tirar ele dos
filmes talvez saísse mais caro do que mantê-lo na franquia, por conta de uma
quebra de contrato pode gerar mais e mais processos contra a produtora; ou
seja, seria um tiro no próprio pé. Não é como se o que aconteceu com
Kevin Spacey pudesse ser repetido o tempo todo.
Nesse caso, resta aos fãs
duas alternativas. A primeira é “aceitar” a derrota e a segunda é “boicotar” os
filmes enquanto estiverem em cartaz (é uma opção, risinhos risinhos risinhos malvados).
d.
“Mas a menina retirou as
queixas”
Bom, foi esse o acordo que ela e os
advogados dele decidiram entre si. E provavelmente essa era a melhor solução,
afinal, temos de admitir, preso ele não iria. Então entraram em um acordo para
que os dois nunca mais se vissem e ele pagasse uma quantia de indenização – que foi doada para a
caridade pela Amber.
Enfim, galera. Em resumo, essa postagem teve como intenção
usar o exemplo de Johnny Depp para explicar o porquê de não podermos fazer essa
separação de artista e pessoa nestas circunstâncias. A verdade é que quando
alguém promove essa divisão em favor de um nome, está dizendo nas entrelinhas
que a reputação desse nome importa mais que qualquer trauma que a pessoa possa
ter causado na vida de quem ela agrediu. Não
podemos fechar os olhos frente a essas situações. Ao
ser fã de alguém, você não pode deixar de ser relativo em relação aos vacilos
dele, ou dela. Admirar seu trabalho é uma coisa, ignorar seus erros (e até
mesmo crimes) é outra coisa; uma muito pior, por sinal.
Com carinho,
Ket e Jão
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